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domingo, 15 de maio de 2016

Parem de idealizar Dilma Rousseff

Eu nutro um profundo respeito pelos camaradas de esquerda, dos mais diferentes espectros e correntes. Sei que no fundo, nossas intenções de criar uma sociedade mais justa, igualitária, sem divisões de classes e opressões de qualquer tipo se convergem. No entanto, acho que precisamos pensar numas paradas, especialmente nesse circo dos horrores que estamos vivendo:

1) O governo Dilma era bom pra classe trabalhadora? Acredito que vcs dirão que não. Se acham que sim, paremos por aqui.

2) Se os próprios trabalhadores não são contemplados pelo governo do PT, como podemos travar o debate sobre esse governo ilegítimo do Michel Temer?

3) Será que idealizar uma Dilma Rousseff de luta, aguerrida, a famosa ~~coração valente~~ que lutou contra a ditadura adianta?

4) Será que não está claro pra todo mundo que esta Dilma idealizada não passa de uma caricatura, já que existe uma diferença abissal entre a Dilma presidenta e a Dilma guerrilheira?

5) Se a reposta à pergunta anterior for positiva, será que é criada uma caricatura da Dilma apenas, ou também uma caricatura de uma militância de esquerda que fecha os olhos para a realidade?

6) Será que vale tanto apena travar um embate em torno da categoria de golpe?

7) Independentemente da resposta anterior, será que não vale mais a pena nós nos concentrarmos em discutir os terríveis retrocessos que o PMDB planeja para o Brasil, independentemente de (i)legalidade do processo?

8) Por último, será que nós não estamos, nesse debate todo, adotando uma postura arrogante que dificulta o diálogo com a grande maioria da classe trabalhadora?

Não são perguntas retóricas. Gostaria de saber o que vocês tem a dizer. Um beijo no pulmão da galera.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Sobre preconceito de raça, de idade e de roupa.

Ontem conversei com um rapaz do curso onde trabalho. Ele devia ter uns 17, 18 anos, estudante do colégio militar. Ah, ele é negro também.
Ele me falava da sua dúvida entre cursar direito (porque queria ser defensor público) ou História (porque achava muito maneiro). Ele não entendia como havia estudantes de direito, ou pessoas que pretendiam fazer o curso que achavam maneiro a violação de direitos da população mais pobre por parte do Estado. Conversa vai, conversa vem, caímos na discussão sobre o racismo e as cotas raciais. Falei um pouco da minha pesquisa de mestrado, que tem a ver com o tema, e ele contou que tinha lido algumas partes de "Casa grande e Senzala", do Gilberto Freire. Disse que não concordava muito com o que o autor dizia, mas achava importante ler porque foi uma das primeiras abordagens sobre as relações étnicas no Brasil. Ele falou também sobre algumas experiências que já passou. Uma, de quando ficou feliz quando percebeu que, ao andar na rua, a pessoa que vinha em sua direção não a atravessou (coisa que, segundo ele, sempre aconteceu), e outra das 9 abordagens policiais pelas quais já passou. Segundo ele, apensar uma dessas vezes, a abordagem foi minimamente educada. Uma parada que esse rapaz me disse e que tá na minha cabeça agora foi o seguinte: "Dói muito quando alguém diz que esse tipo de coisa (racismo) não existe. Porque a gente sabe que existe"
Fiquei de 20 a 30 minutos conversando com ele. Ele mostrou uma serenidade e um espírito crítico pra tratar de temas tão delicados como racismo, ações afirmativas e luta de classes que eu não esperava de uma pessoa da idade dele. Ainda mais com a roupa que ele estava usando (aquele uniforme pééééssimo do colégio militar).
Fiquei pensando sobre isso, e tenho a mais absoluta certeza de que ontem eu aprendi com ele mais do que ele aprendeu comigo. E quantas vezes nós deixamos de aprender alguma coisa por diminuirmos as pessoas por conta da idade que elas tem, dos lugares que elas frequentam, ou por conta da cor da pele delas? É para se pensar.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Todo professor é um doutrinador

Olá, queridos (e poucos) leitores. Resolvi finalmente fazer uma nova postagem nesse moribundo blog. Peço desculpas àqueles que sentiram falta das postagens que fiz nos últimos 5 anos. Eu estava terminando minha monografia e, além disso, tinha coisas mais importantes para fazer. Bem, mas como ninguém tem porra nenhuma a ver com a minha vida, vamos ao que interessa.

Muito se discutiu nos últimos meses (ou anos) o que foi chamado de "Doutrinação Ideológica nas escolas brasileiras". De fato o tema não é novo, e tendeu a gerar discussões desde que a revista Veja publicou, em 2009, uma reportagem intitulada "prontos para o século XIX", que anunciava o fato de que alguns professores de orientação marxista expunham a ideologia deles em suas aulas. Em 2015, o tema ganhou mais notoriedade a partir da apresentação do projeto de lei 867/2015, que institui o programa "Escola sem partido". Dentre vários pontos do projeto que podem ser destacados e debatidos, amplamente, eu resolvi falar de um especificamente. Diz o seguinte: 

Art. 4º. No exercício de suas funções, o professor: 
I - não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária

Pois bem, eu fico me perguntando como isso pode acontecer. Primeiramente, se o professor não pode "cooptar os alunos" em direção a um determinado tipo de formulação ideológica, como se daria a relação de ensino-aprendizagem? Talvez você que está lendo não tenha entendido a minha indagação. Mas vamos lá.

Primeiramente, todas, eu digo T-O-D-A-S as aulas que você puder ter na sua vida estarão carregadas até o último fio de cabelo de ideologia. Desde a delimitação curricular, passando pelo tempo de aula, chegando até a forma de exposição docente, vai ter ideologia. Seja ela qual for. Marxista, liberal, keynesiana, fascista, pós-moderna, o caralho a 4. Por exemplo: quando um professor fala para o estudante "Estude para passar na prova", ele está dizendo que o objetivo pedagógico daquela relação de ensino-aprendizagem é fazer com que o aluno fique acima da média em um exame. Isso revela uma concepção de educação que não está nem um pouco preocupada em saber se os estudantes adquiriram qualquer nova competência, mas que está sim preocupada com números, metas, médias, rankings, etc. É o que Paulo Freire chamou de "educação bancária". O mesmo vale para o famoso "estude para ser alguém na vida", ou "estude para passar no vestibular". Todas essas frases estão carregadas de sentido ideológico, que reforçam um ideal meritocrático de sociedade.

Quando eu era estudante de ensino médio e fundamental, por mais que sempre tivesse estudado em escolas podres (que continham alguns bons profissionais), as aulas não se restringiam apenas ao conteúdo do livro didático (ainda bem). Alguns professores promoviam debates (na verdade só a Nívea Andrade fazia isso, um beijo fessora), outros davam dicas para a vida, outros aconselharam quais carreiras seguir e quase todos proferiam esporros homéricos. E não sei se pra vocês é assim também, mas as broncas eram muito mais fáceis de se lembrar do que a matéria ensinada. Por exemplo, eu tive um professor de matemática no 3° ano do E.M. que toda sexta feira se desentendia com alguns alunos da turma. As únicas lembranças que tenho de suas aulas são duas coisas. Primeiro, ele sempre proferia a frase "Deixa eu vender meu peixe" quando os estudantes falavam demais em sua aula. Segundo, houve uma ocasião na qual, ao se desentender com uma aluna, ele a mandou pilotar um fogão. Pois bem, na concepção de educação desse educador (fosse essa concepção consciente ou não), a educação poderia ser associada sem problema algum a uma mercadoria qualquer, como o peixe que a gente compra na feira, e, além disso, lugar de mulher é na cozinha. O que eu "aprendi" com esse cara? Isso. Pergunte-me qualquer coisa sobre trigonometria. Não sei nem o que é isso. Mas por que, então, eu não aprendi matemática com esse cara? Por que eu sou merda? Sim, também. Mas a concepção de educação que ele tinha me afastava de suas aulas (por mais que eu não tivesse consciência disso na época). A única coisa que esse cara me passou foram ideais mercadológicos e machistas (não somente ele, é importante dizer). Ou seja, de certa forma ele também é um doutrinador, por mais que ele sequer se dê conta disso. 

Outro exemplo: quando estava na 8° série, atual 9° ano do ensino fundamental, um belo dia um professor de biologia entrou na sala e a turma estava fazendo bagunça. Revoltado, o professor disse que nós éramos animais, que deveríamos viver enjaulados, "naquelas jaulas que você encosta e dá choque", e que se continuássemos daquele jeito nos transformaríamos num tipo de gente que picha muros e depreda monumentos.  Vejam bem, isso aconteceu há quase 10 anos e eu lembro desse dia como se fosse hoje (graças ao Rodrigo Cravo, que sempre me faz lembrar dessa merda e rir pra cacete). Agora, perguntem pra mim que caralho é um leucócito, ou qual é a função do complexo de golgi. Não sei merda nenhuma.

O que eu quero dizer com esses dois exemplos? Tem coisas que os professores (todos eles) nos dizem que nos marcam, mas que não possuem nada a ver com a disciplina que eles ministram. E essas coisas nos passam valores. E esse valores são interligados com o que? Com a caralha da ideologia. Quando um professor manda uma aluna ir pilotar um fogão, ele está difundindo um tipo de ideologia, se valendo da ~~audiência cativa~~ dos demais para difundir machismo. Quando um professor se depara com uma turma bagunceira e diz que todo mundo deveria ficar enjaulado, ele está se valendo da audiência cativa dos alunos para difundir ideias punitivas de animalização do homem. Esses foram só dois exemplos.

Agora, por que será que quando esse tema surge em um debate público, sempre há uma menção aos marxistas? Será que eles são os únicos que fazem doutrinação? Ou será que esse é o único tipo de doutrina que incomoda? Qual a diferença entre um "estude para fazer a revolução social" e um "estude para ficar rico"? Ambos tem objetivos diferentes. Qual a semelhança? Ambos são essencialmente ideológicos. Daí eu te pergunto: qual deles tem maior probabilidade de ser acusado por assédio ideológico?

Bem, posso estar equivocado. Mas gostaria que vocês me falassem de qualquer professor que vocês tiveram que estava alheio às ideologias. Se encontrarem, me mandem em uma nave para o planeta dele que eu quero conhecê-lo.

De qualquer forma, temo pelo futuro da educação, uma vez que, se essa lei passar, creio que nenhum professor vai passar ileso, haja vista que todo educador tem sua ideologia (ainda que algumas delas não tenham um nome ou conceito), e é impossível não levar seus valores para as relações de ensino-aprendizagem. Nos vemos na cadeia, amigues.

domingo, 30 de novembro de 2014

O que toda escola pública deveria ter?

Toda escola pública deveria ter:
1 - Assistentes sociais
2 - Psicólogos
3 - Professores bem remunerados
4 - Diálogo com a comunidade para definir seus paradigmas pedagógicos
5 - Eleições diretas para a direção
6 - Enfermeiros
7 - Diálogo com o conhecimento dos estudantes
8 - Salas de aula minimamente estruturadas.
9 - Bibliotecas minimamente equipadas
10 - Salas de informática.
11 - Laboratórios experimentais
12 - Quadras poliesportivas para a prática de Educação Física
13 - Grêmios estudantis.
14 - Políticas dialogadas de combate a todas as formas de discriminação.
15 - Autonomia pedagógica para os docentes, sem intervenção de avaliações externas padronizadas.
16 - Turmas com um número máximo de estudantes.

Se vocês, caros(as) amigos(as), resolverem visitar alguma escola estadual daqui do Rio de Janeiro, faço o seguinte desafio a vocês: Encontrem quatro desses itens. Apenas quatro, para ser modesto.
Talvez vocês não encontrem nenhum, inclusive.

Mas tenho certeza que um ítem (que não consta na lista) terá muito mais chances de ser encontrado: a Polícia Militar fazendo a "segurança" da escola. Gostaria de ouvir/ler vocês em relação a isso. É inacreditável (na verdade é bem crível) que esta seja a forma com a qual o Governo do Estado lide com as escolas públicas.

Escrevo isso para que a violência promovida via Estado para com os professores grevistas do ano passado não seja esquecida. Escrevo isso para que a violência simbólica exercida diariamente contra os estudantes e profissionais das escolas públicas não sejam naturalizadas. Nada deve parecer impossível de mudar.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Os vagabundos sustentados. Por quem?

Como todo mundo já sabe, Dilma Rousseff foi reeleita presidente do Brasil, na eleição mais acirrada da história do nosso país. Isso, para mim, não é motivo de felicidade alguma. Pelo contrário. Não me entusiasmei nem um pouco com a campanha petista (diferentemente de parte da esquerda), financiada por grandes empresas e apoiada por oligarcas tradicionais. A única coisa que me alivia neste momento é saber que o candidato derrotado era membro de um partido mais elitista que o próprio PT, que o máximo que conseguiu fazer até hoje foi uma leve redistribuição de renda e um aumento no poder de consumo da população de maneira geral. No demais, as históricas estruturas sociais brasileiras permanecem. No entanto, mesmo com o pouquíssimo feito até agora, uma parcela da população brasileira se vê indignada com os benefícios recebidos por muitas pessoas via programas sociais. Em uma das centenas de discussão pós eleição que pude ler no Facebook, um rapaz dizia o seguinte:

"Aproveitem os 4 ultimos anos de mamata social. O ciclo petista vai acabar, enquanto isso, continuo trabalhando para sustentar uma parcela da população extremamente acomodada. Burros não! Burros seriam se votassem no Aecio e perdessem toda essa moleza."

Quando o rapaz se posicionou em relação às pessoas que ele sustenta e são extremamente acomodadas, eu me fiz (e continuo me fazendo) a seguinte pergunta: de quem será que esse cara tá falando? Será que ele se refere aos filhos de seus patrões, que graças à exploração do trabalho dele e da apropriação de grande parte da riqueza que ele produz, conseguem pagar festas luxuosas de aniversário, dar presentes caros no aniversário, carrinho zero quando o pleiba passa na faculdade, 2 cursos diferente de idiomas, o paga o melhor curso pré-vestibular da cidade pro jovem estudar na melhor universidade (sem trabalhar, enquanto isso)? Se formos levar em conta o número de falências declaradas no período FHC, até que faz algum sentido né? Se pensarmos em como o PT foi, é e continuará sendo bonzinho com a classe empresarial, dá pra dizer que seus filhos são vagabundos sustentados pelo governo, ou não?

domingo, 14 de setembro de 2014

Esse texto é só a minha opinião.

Uma tendência muito comum que muitas pessoas encontram para se esquivar de posicionamentos contrários aos seus é utilizar o seguinte argumento: "É só a minha opinião, cada um tem a sua".
Sim, amigo(a), cada um tem a sua opinião. No entanto, por serem "apenas" opiniões, cada tipo de posicionamento tem as suas falhas e os seus acertos. Sendo assim, quando expomos nossos pensamentos, ainda mais em público, estamos sujeitos a recebermos críticas a eles. Coisa mais normal do mundo.

No entanto, percebo que entre muitas pessoas, inclusive pessoas próximas a mim, o uso de tal argumento, que nada mais diz do que o óbvio, tem servido como base para que essas pessoas evitem o debate, numa "lógica" que funciona da seguinte maneira: "Nós pensamos de maneiras diferentes, não podemos debater". Eu gostaria de entender que sentido isso faz. Por isso, faço os seguintes questionamentos:

1) Gente, eu já sou bem crescidinho, já tenho 22 aninhos, e gostaria que vocês me dissessem o seguinte: pessoas com o mínimo de maturidade (e olha que eu me considero imaturo pra caralho) não conseguem debater através de pontos de vista diferentes sem que isso incorra em ofensas ou qualquer coisa do tipo?

2) Para que serve o debate? É para que as pessoas mudem de ideia? Ou para que nós aprendamos no diálogo com o outro? Ou as duas coisas?

Quando eu vejo alguém encaminhando a discussão para o ponto do "é só a minha opinião", eu penso o seguinte:

1° - É óbvio que o que você diz é somente a sua opinião, isso é a coisa mais banal que pode ser dita em uma discussão, uma vez que ninguém é detentor de uma verdade absoluta e objetiva.
2° - Quando alguém recorre a esse discurso, vejo uma tentativa de blindar sua argumentação, como se pelo fato de ser "só a a opinião dele(a)", ele(a) esteja isento de qualquer tipo crítica. ~~Na minha opinião~~ isso mostra nada mais do que uma fraqueza argumentativa, ou seja, falta de sustentação teórica ou empírica no que está sendo dito.

Ou seja, queridos e queridas, quando tivermos as nossas divergências, que geralmente são muitas, por favor não usem mais a retórica do "é só minha opinião". Por quê? Porque eu já sei, todo mundo já sabe, você não precisa dizer. Assuma seu lugar de falar, seu lugar de crítica, ainda que esta seja a mais tacanha possível, e dê a cara a tapa. Assim eu vou aprender contigo e tu vais aprender comigo. Ainda que nós mantenhamos todas as diferenças possíveis. Quando você se torna recluso a isso, não terei outra opção a não ser achar que você:

1) É burro.
2) É preconceituoso
3) É mal intencionado
4 ) Se encontra numa suposta zona de conforto da qual não quer sair (digo suposta porque a maioria dos meus amigos são estudantes e/ou trabalhadores, moradores da periferia de uma cidade localizada na periferia do capitalismo, o que não configura nenhum tipo de privilégio - a não ser que você considere ter uma casa e ter o que comer como privilégio)
5) Todas as opções acima.

Então, por favor, não faça eu ter uma ideia errada sobre você, exponha-se, por favor. Isso é digno de respeito. Quer dizer, pelo menos na minha opinião é, né?

sexta-feira, 11 de abril de 2014

O racista e o manipulado pela mídia

Há alguns anos atrás, tive a oportunidade de fazer uma disciplina com a professora Martha Abreu na qual os estudantes foram incentivados e a desenvolver aulas e projetos pedagógicos de caráter antirracista. Até hoje, nesses meus 4 anos e meio de UFF, foi uma das melhores disciplinas que já cursei e uma das que mais contribuíram para a minha formação enquanto historiador e cidadão, por vários motivos que não cabem aqui explicar. Mas enfim, em umas das intensas e interessantes discussões realizadas durante o curso, muito se leu e se falou que o racismo brasileiro é como se fosse um assassinato sem corpo, ou seja, de difícil identificação. Por quê? Porque o racismo sempre está no outro, nunca em nós. Se eu perguntar para você que está lendo este texto a seguinte pergunta: "você é racista ou já cometeu atos racistas?", a sua resposta provavelmente será "não". No entanto, se a pergunta for "Você conhece alguém que seja racista ou que tenha cometido um ato racista?", as chances da sua resposta ser positiva aumentam razoavelmente. Isso porque nós sabemos que o racismo é crime e algo totalmente repulsivo. Então, não queremos ser associados a quaisquer tipos de práticas racistas porque certamente seremos repreendidos e reprovados. Também aprendemos na escola que a "Raça", em termos biológicos não existe, e tendemos a acreditar que o simples fato de termos isso em mente é suficiente para termos superado a nossa herança maldita da escravidão. Falando em escravidão, também tendemos a acreditar que com o fim dela, quaisquer tipos de tensões raciais deixaram de existir em 1888, ou então que quaisquer atos racistas estejam somente ligados a ela. Infelizmente não é bem assim. Inúmeros estudos sobre o negro no pós-abolição no Brasil mostram que a condição de vida da população negra não melhorou significativamente em termos econômicos e sociais (apesar de não negar o grande avanço que foi o fim da escravidão, obviamente), muito por conta da vinda de imigrantes europeus (num projeto de embranquecimento da população, baseada nas teorias da ciência racialista da segunda metade do século XIX) que passaram a ocupar os melhores postos de trabalho. Enfim, tem muito mais do que isso que eu to falando bem resumidamente. O ponto é: por mais que saibamos que Raças, no sentido biológico da coisa, não existam, a composição da nossa sociedade ainda leva consigo muitas características de uma época em que se acreditava na existência delas. Em outras palavras, o conceito de Raça foi superado, mas o racismo (cultural e estrutural) não.

Mas ai você se pergunta: o que racismo brasileiro e manipulação da mídia tem em comum?
Eu respondo: Tudo.
Por quê? Vamos lá:

Da mesma forma que o racismo no Brasil se dá de maneira velada, onde ninguém admite a sua parcela de culpa, uma forma comum de desqualificar o posicionamento alheio é dizer: "Fulano/a é manipulado/a pela mídia/Globo/Globosta/etc.". E aí eu faço uma pergunta parecida com a que eu fiz acima: "Você, caro/a leitor/a, é manipulado/a pela mídia?". Eu tenho certeza absoluta que você vai dizer que não. E faço mais uma pergunta parecida com a outra lá de cima: "Você conhece alguém que seja manipulado/a pela mídia?". Provavelmente, a sua resposta será positiva. Qual o grande problema disso? Muitas vezes não nos damos conta do grande império de comunicação que existe nesse país, chefiado pela família Marinho, mas que conta também com os Civita, Abravanel, Igreja Universal, e talz. E caímos mesmo na tolice de acreditar que, por termos estudado um pouquinho e por termos acesso a internet, estamos totalmente livres do domínio midiático, sem muitas vezes sequer levarmos em conta que as grandes empresas de comunicação tem um traço classista lógico em sua produção majoritária. Acreditamos mesmo que estamos livres de toda a enxurrada cultural da Globo e suas parceiras. Essa estrutura tem suas consequências totalmente danosas para a nossa democracia (se é que dá pra chamar isso aqui de democracia). E tendemos a colocar a culpa no outro sobre estas consequências. O problema sempre está no outro. Que vota mal, que não tem opinião própria, que "só vê novela e futebol" etc. E aí passamos a rejeitar qualquer coisa que venha da tal mídia demoníaca por causa das consequências que ela gera no outro, mas em nós, seres iluminados e perfeitamente pensantes, jamais. Exemplo: no final da novela do Félix (esqueci o nome e fiquei com preguiça de procurar, foi mal), houve um beijo entre dois caras. Parte das pessoas comemorou o que aconteceu, por acreditar que a visibilidade maior dada aos homossexuais é uma ferramenta importante para o combate à homofobia. Outras pessoas caíram na sandice de sair falando mal da emissora por estarem passando "sem vergonhices" em horário nobre que só alienariam muito mais nossa população. Ou seja, combatemos a ~~alienação midiática~~ com homofobia? Quem achou o beijo gay um avanço na visibilidade homo afetiva é necessariamente alienado/a pela mídia? E quem falou mal da Globo por conta do episódio é uma pessoa intelectualmente independente e super instruída, diferentemente dos outros que comemoraram?

O que eu quero dizer é o seguinte: muitas vezes acreditamos que estamos combatendo o racismo sem necessariamente contribuir para uma real igualdade entre pessoas de diferentes cores porque acreditamos que tal igualdade já existe ou está muito próxima, daí pensamos que precisamos fazer pouco para alcançá-la, ou então, deixar o assunto pra lá, porque se não falarmos mais nisso, uma hora vamos esquecer e vai ficar tudo certo. Da mesma forma, tendemos a rechaçar qualquer coisa que venha da grande mídia sem qualquer reflexão crítica porque achamos que estamos livres dela, e/ou que tudo que venha dela é ruim. Pior ainda, não levamos em consideração as disputas que ocorrem dentro dela, que são disputas (ainda que tenha muitas limitações)que se dão em outros espaços da sociedade. Qual é a consequência disso? Acabamos por ser contra o racismo sem discutirmos a estrutura da sociedade com traços raciais bem definidos, e combatemos o que é veiculado pela mídia utilizando as mesmas ideologias dessa mídia que tanto criticamos. Basta ver quantas pessoas detestam a Globo e são a favor de pena de morte, da redução da maioridade penal, contrárias às cotas raciais (propostas que estão de total acordo com o pensamento da classe dominante, da qual os grandes impérios de comunicação fazem parte), etc. Estou querendo dizer que todo mundo que é a favor da pena de morte e das outras propostas seja ~~manipulado pela mídia~~? Não necessariamente. Creio que muitas pessoas sofram influência da mesma em diversos aspectos de suas vidas (desde o tipo de música que ouve, passando pela roupa que veste, até a sua cultura política) mesmo que não queiram, da mesma forma que acredito que muitas pessoas, mesmo não se identificando como racistas, praticam o racismo direta ou indiretamente no cotidiano. O primeiro passo para nos livrarmos disso tudo é termos plena consciência de que somos seres influenciados e influentes, e numa sociedade desigual como a nossa, é muito difícil se ver livre dos padrões e da noção de cultura dominantes.

Não é feio, admitir que já praticou racismo alguma vez na sua vida, feio é querer esconder isso, fechar os olhos para ele e dizer que tá tudo bem, porque temos as mesmas capacidades e potencialidades (isso todos já sabemos, precisamos ir além disso). Também não é feio admitir que sofre influência da Globo e emissoras afins. Feio é achar que você é uma ilha. Ainda mais quando tá escrito na tua cara que não é. Beijos no cérebro e vamos à luta. Até a próxima.