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terça-feira, 28 de julho de 2015

Todo professor é um doutrinador

Olá, queridos (e poucos) leitores. Resolvi finalmente fazer uma nova postagem nesse moribundo blog. Peço desculpas àqueles que sentiram falta das postagens que fiz nos últimos 5 anos. Eu estava terminando minha monografia e, além disso, tinha coisas mais importantes para fazer. Bem, mas como ninguém tem porra nenhuma a ver com a minha vida, vamos ao que interessa.

Muito se discutiu nos últimos meses (ou anos) o que foi chamado de "Doutrinação Ideológica nas escolas brasileiras". De fato o tema não é novo, e tendeu a gerar discussões desde que a revista Veja publicou, em 2009, uma reportagem intitulada "prontos para o século XIX", que anunciava o fato de que alguns professores de orientação marxista expunham a ideologia deles em suas aulas. Em 2015, o tema ganhou mais notoriedade a partir da apresentação do projeto de lei 867/2015, que institui o programa "Escola sem partido". Dentre vários pontos do projeto que podem ser destacados e debatidos, amplamente, eu resolvi falar de um especificamente. Diz o seguinte: 

Art. 4º. No exercício de suas funções, o professor: 
I - não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária

Pois bem, eu fico me perguntando como isso pode acontecer. Primeiramente, se o professor não pode "cooptar os alunos" em direção a um determinado tipo de formulação ideológica, como se daria a relação de ensino-aprendizagem? Talvez você que está lendo não tenha entendido a minha indagação. Mas vamos lá.

Primeiramente, todas, eu digo T-O-D-A-S as aulas que você puder ter na sua vida estarão carregadas até o último fio de cabelo de ideologia. Desde a delimitação curricular, passando pelo tempo de aula, chegando até a forma de exposição docente, vai ter ideologia. Seja ela qual for. Marxista, liberal, keynesiana, fascista, pós-moderna, o caralho a 4. Por exemplo: quando um professor fala para o estudante "Estude para passar na prova", ele está dizendo que o objetivo pedagógico daquela relação de ensino-aprendizagem é fazer com que o aluno fique acima da média em um exame. Isso revela uma concepção de educação que não está nem um pouco preocupada em saber se os estudantes adquiriram qualquer nova competência, mas que está sim preocupada com números, metas, médias, rankings, etc. É o que Paulo Freire chamou de "educação bancária". O mesmo vale para o famoso "estude para ser alguém na vida", ou "estude para passar no vestibular". Todas essas frases estão carregadas de sentido ideológico, que reforçam um ideal meritocrático de sociedade.

Quando eu era estudante de ensino médio e fundamental, por mais que sempre tivesse estudado em escolas podres (que continham alguns bons profissionais), as aulas não se restringiam apenas ao conteúdo do livro didático (ainda bem). Alguns professores promoviam debates (na verdade só a Nívea Andrade fazia isso, um beijo fessora), outros davam dicas para a vida, outros aconselharam quais carreiras seguir e quase todos proferiam esporros homéricos. E não sei se pra vocês é assim também, mas as broncas eram muito mais fáceis de se lembrar do que a matéria ensinada. Por exemplo, eu tive um professor de matemática no 3° ano do E.M. que toda sexta feira se desentendia com alguns alunos da turma. As únicas lembranças que tenho de suas aulas são duas coisas. Primeiro, ele sempre proferia a frase "Deixa eu vender meu peixe" quando os estudantes falavam demais em sua aula. Segundo, houve uma ocasião na qual, ao se desentender com uma aluna, ele a mandou pilotar um fogão. Pois bem, na concepção de educação desse educador (fosse essa concepção consciente ou não), a educação poderia ser associada sem problema algum a uma mercadoria qualquer, como o peixe que a gente compra na feira, e, além disso, lugar de mulher é na cozinha. O que eu "aprendi" com esse cara? Isso. Pergunte-me qualquer coisa sobre trigonometria. Não sei nem o que é isso. Mas por que, então, eu não aprendi matemática com esse cara? Por que eu sou merda? Sim, também. Mas a concepção de educação que ele tinha me afastava de suas aulas (por mais que eu não tivesse consciência disso na época). A única coisa que esse cara me passou foram ideais mercadológicos e machistas (não somente ele, é importante dizer). Ou seja, de certa forma ele também é um doutrinador, por mais que ele sequer se dê conta disso. 

Outro exemplo: quando estava na 8° série, atual 9° ano do ensino fundamental, um belo dia um professor de biologia entrou na sala e a turma estava fazendo bagunça. Revoltado, o professor disse que nós éramos animais, que deveríamos viver enjaulados, "naquelas jaulas que você encosta e dá choque", e que se continuássemos daquele jeito nos transformaríamos num tipo de gente que picha muros e depreda monumentos.  Vejam bem, isso aconteceu há quase 10 anos e eu lembro desse dia como se fosse hoje (graças ao Rodrigo Cravo, que sempre me faz lembrar dessa merda e rir pra cacete). Agora, perguntem pra mim que caralho é um leucócito, ou qual é a função do complexo de golgi. Não sei merda nenhuma.

O que eu quero dizer com esses dois exemplos? Tem coisas que os professores (todos eles) nos dizem que nos marcam, mas que não possuem nada a ver com a disciplina que eles ministram. E essas coisas nos passam valores. E esse valores são interligados com o que? Com a caralha da ideologia. Quando um professor manda uma aluna ir pilotar um fogão, ele está difundindo um tipo de ideologia, se valendo da ~~audiência cativa~~ dos demais para difundir machismo. Quando um professor se depara com uma turma bagunceira e diz que todo mundo deveria ficar enjaulado, ele está se valendo da audiência cativa dos alunos para difundir ideias punitivas de animalização do homem. Esses foram só dois exemplos.

Agora, por que será que quando esse tema surge em um debate público, sempre há uma menção aos marxistas? Será que eles são os únicos que fazem doutrinação? Ou será que esse é o único tipo de doutrina que incomoda? Qual a diferença entre um "estude para fazer a revolução social" e um "estude para ficar rico"? Ambos tem objetivos diferentes. Qual a semelhança? Ambos são essencialmente ideológicos. Daí eu te pergunto: qual deles tem maior probabilidade de ser acusado por assédio ideológico?

Bem, posso estar equivocado. Mas gostaria que vocês me falassem de qualquer professor que vocês tiveram que estava alheio às ideologias. Se encontrarem, me mandem em uma nave para o planeta dele que eu quero conhecê-lo.

De qualquer forma, temo pelo futuro da educação, uma vez que, se essa lei passar, creio que nenhum professor vai passar ileso, haja vista que todo educador tem sua ideologia (ainda que algumas delas não tenham um nome ou conceito), e é impossível não levar seus valores para as relações de ensino-aprendizagem. Nos vemos na cadeia, amigues.

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